29 setembro 2010

Heroína

Heroína

Não toque nessa agulha!

Não toque nessa agulha!

Não toque nessa agulha!

Sua mente gritava à medida que sua mão se aproximava da tal agulha, deitada na mesa envolvida por embalagens de macarrão instantâneo, maços de cigarros e latas de cerveja vazias.

Seus dedos finos e amarelados envolveram a seringa e como se agisse sozinha, ela invadiu seu braço num piscar de dor fina e dolorida, daquelas que mal começam e acabam, mas a gente sabe que estava lá.

Mal teve tempo de sentir o sangue ferver e logo sua cabeça pendia para o lado, num ângulo bizarro e que, provavelmente, teria suas conseqüências mais tarde.

Acordou horas depois ou segundos depois, jamais saberia dizer ao certo, e, sem pensar duas vezes, colocou seu disco favorito para tocar na vitrola e o uísque mais barato de seu seleto bar no copo mais chique de seu jogo elegante.

A fumaça subia, mas a vontade de fumar não vinha, não adiantava olhar pela janela, as vozes continuavam lá, a gritar e gritar e gritar. E aquela velha vontade, de se esfaquear, de se espetar, aquela velha vontade voltava com tudo.

Encheu o copo novamente, acendeu outro cigarro e colocou o mesmo disco. Ligou a torneira da banheira, e só contentou-se com a temperatura quando esta estava fervendo.

Jogou as roupas no canto escuro e sujo da banheiro gigantesco que tinha no seu minúsculo apartamento, os azulejos já estavam velhos e a maioria estava esmigalhada no chão. De manhã, quando acordava desnorteada, tendia a cortar seus pés nessas migalhas de cerâmica e tinta. Mas isso não importava

Entrou na banheira, a água queimou seu corpo. Mais uma dor para esquecer. Bebeu o uísque e finalmente deu uma tragada no cigarro que há tempos implorava para ser notado.

Mas nada disso importava, não quando àquela coisa não parava de encará-la, estendida na sala, implorando para ser usada. Ela se afundou na água.

Não toque nessa agulha!

Não toque nessa agulha!

Não toque nessa agulha!

Tarde demais. Dedos ansiosos, a mão amarela, que tanto lhe causava náuseas, a seringa, fina e cheia, entra no seu braço, a mesma dor fina, os olhos fecham. Os olhos não abrem mais.

A seringa continua na mesa com as mesmas embalagens de macarrão instantâneo, os maços de cigarros e as latas de cerveja vazias, o disco tocava a mesma canção e a dona das mãos amarelas que tanto lhe apavoravam jazia morta no chão.

Não toque nessa agulha!

Não toque nessa agulha!

Não toque nessa agulha!

4 comentários:

  1. FFUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUU...

    Perfeito, adoro o jeito como nos envolve na narrativa... deu pra me visualizar no apartamento dela e sentir seu anseio pela droga. Adorei! Posts assim me fazem lembrar porque comecei a seguir seu blog.

    ;*

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  2. OBS: tu não disse que ela morava em apartamento, mas eu imaginei q sim >_>

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  3. PS.: eu disse sim que ela morava em apartamento :D

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Beijones.